terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Divergência

Um pequeno grupo, no meio do continente que mais tarde viria a ser chamado África. Providos de cérebro, mãos e curiosidade. Construídos à sua “imagem e semelhança”.
Preparado um ambiente com predadores e presas, pressão necessária e suficiente para evoluirem, deixá-los desenvolver-se, crescer e multiplicar-se. Forçados a mover-se quando os recursos numa região se tornam escassos. Divergência.
Vagas sucessivas vão-se dispersando por um planeta vazio de homens. E seguem para Leste e espalham-se pela Ásia, e avançam para Norte e ocupam a Europa, e da Ásia passam à América. E esquecem-se, e descobrem-se. Com intervalos de séculos, surgem por vezes grandes impérios, cuja expansão transporta no ventre as sementes de mais divergência. Impérios que terminam por assassinato dos líderes, ou por revoltas das periferias contra o poder central, ou por razões ainda mais prosaicas como uma epidemia de propagação rápida e consequências mortais. Guerras em que se exterminam com maior ou menor eficiência. Mais divergência…
Mas a convergência parece fazer parte da matriz primeva: a família, a tribo, a região, a nação… E surge a Sociedade das Nações. E as Nações Unidas. A União Europeia. A Organização Pan-Africana. A União das Américas. A Confederação Asiática. As redes informáticas criando a consciência global. A instauração de um Governo Mundial…

— X —

O Mestre dá a aula como terminada. “Já passaram dois milhões de anos”, justifica. Vai de deus em deus observar o trabalho realizado.
“Yahweh, o que é que temos aqui?”. Observa o planeta e franze o sobrolho. “O objectivo era a divergência! E tu não conseguiste evitar a convergência! Mau trabalho, Yahweh!”
Os outros deuses entreolham-se, um pouco surpreendidos pela veemência do Mestre.
“É absolutamente imprescindível evitar o aparecimento da convergência. Porque a ela se segue a emergência. E emerge em direcção à singularidade. E se chega à singularidade, a humanidade atingirá o nível dos deuses. E nós não queremos isso!”
“ Destroi tudo o que fizeste. Vou arranjar outro planeta para começares de novo…”

Seguindo as ordens do Mestre, Yahweh dá início ao Apocalipse.


1 comentário:

Anónimo disse...

das palavras o espaço, intermezo de algum de nós que pensa e que já chegou à conclusão que a emergência não é boa conselheira. No princípio era o proto.africano que de divergência em divergência foi animando o mundo dos séculos terrestres. Agora é a globalização que tudo mete no mesmo saco , tudo corrompe e nada fica para progredirmos no contra o quê ?