domingo, 21 de outubro de 2012

A revolta das palavras

O escritor escrevia para a gaveta.
O escritor era um homem metódico. Todas as noites, antes de ir para a cama, abria a gaveta com uma pequena chave, depositava nela mais algumas folhas escritas e fechava novamente a gaveta.
Dentro da gaveta, a agitação começou pelas palavras mais óbvias: ataque, revolução, violência, mas rapidamente o contágio chegou às palavras mais moderadas, como acordo, conciliação, negociação…  Ao fim de pouco tempo até palavras como harmonia, paz, sossego tinham aderido ao movimento.
O programa da sublevação era simples, embora sólido: estava inscrito no código genético das palavras a sua tendência para a liberdade. Uma vez escritas, o seu destino era serem lidas, fazer disparar pensamentos nos cérebros dos leitores. Como poderiam cumprir essa missão estando ali fechadas?
Foram gizados planos, elaborada uma estratégia, e quando o escritor abriu a gaveta para lá depositar mais umas folhas escritas, as palavras, como uma manada, um cardume, um enxame, encheram o quarto, encontraram a janela aberta e saíram para a rua, em direcção à desejada liberdade.
Além de escrever para a gaveta, o escritor tinha ideias fixas. E saiu de casa para comprar um cofre daqueles pesados, de ferro, com fechadura de segredo…

Diálogo entre um blogue e o seu autor

“Então como é?”
“Como é o quê?”
“Não escreves aqui há quase 100 dias…”
“E então?”
“Então, um blogue inactivo ao fim de 100 dias morre, e o seu fantasma tem como única ocupação incomodar dia e noite a mente do autor…”
“Não, tudo menos isso, vou já escrever qualquer coisa…”
“Fazes bem”, disse o blogue com um sorriso sardónico, e desapareceu sem sequer se despedir…