sábado, 25 de setembro de 2010

Coisas do baú (2)

Desta vez a culpa é do Luís Filipe Silva, que no seu site/blogue "ressuscitou" um poema com temática FC que escreveu há anos para a antologia Linhas Cruzadas, editada pela PT Telecom.
Ao ler o poema, lembrei-me de um outro com ambiente semelhante, escrito há algumas décadas e publicado então no Diário de Lisboa Juvenil.
Estávamos (e estaríamos!) ainda em plena guerra fria. Com o entusiasmo da adolescência, dei ao poema o duplo título "Pesadelo" ou "Poema para o desarmamento". Para minha surpresa, ou por opção do coordenador da página, ou por auto-censura ou por censura "da outra", foi dado à luz com o título que aqui se mostra... o que me deixou na mesma satisfeito!

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

A consulta

O consultório do psiquiatra era acolhedor. Paredes forradas a madeira, a luz exterior coada por cortinados nas janelas, um sofá confortável onde estava sentado um paciente, numa pose relaxada, enquanto o médico ocupava uma cadeira à sua frente.
"A sensação que tenho, senhor doutor, é que existem dois mundos no mundo."
"Pode ser mais explícito?"
"Há um mundo superficial, aquele onde as pessoas se comportam de forma civilizada, que segue regras, que cumpre as leis, e há um outro mundo subterrâneo, escuro, violento, onde quem tem poder exerce-o de forma arbitrária, onde impera a lei do mais forte, onde as actividades criminosas não encontram quaisquer barreiras... E este mundo subterrâneo controla o outro... Estou angustiado, doutor..."
"O senhor está a sofrer de hiper-reacção aos media. Não veja tanta televisão, está provado que os noticiários transmitem violência numa proporção superior à violência real que ocorre na sociedade. Vou prescrever-lhe um calmante ligeiro. Faça por se distrair, leia um bom livro, e gostaria de voltar a vê-lo dentro de uma semana."
Paciente e médico despedem-se com um aperto de mão. O paciente sai.
O médico fica uns segundos pensativo, senta-se à secretária e liga o computador, com o qual trabalha durante dois ou três minutos. Em seguida marca um número no telemóvel:
"Mais um que começou a suspeitar. Coloquei a ficha dele na lista. Podem ir buscá-lo a casa, é mais discreto. Vou já assinar a autorização de internamento."
Pega na folha de papel que acabou de sair da impressora, faz uma rubrica no canto inferior direito e coloca a folha no tabuleiro dos assuntos despachados. Suspira e prime o botão do intercomunicador:
"Isabel, pode mandar entrar o próximo doente."