sábado, 5 de setembro de 2009

A escrita infinita

O homem sentado num sofá no lobby do Hotel Blau Varadero observa minuciosamente os clientes que entram e saem, os que se dirigem à recepção, os que estão simplesmente sentados à espera do autocarro que os levará ao aeroporto, enquanto escreve, num pequeno caderno de capa preta, histórias sobre as pessoas que observa. Inventa-lhes uma vida, relações, motivações, trajectórias…
No balcão do primeiro andar, um outro homem observa o homem que escreve, e por sua vez escreve uma história em que o primeiro escritor aparece como personagem…
E há um rumor de que esta situação se prolonga, isto é, que em cada andar existe um escritor que escreve uma história sobre o escritor do andar abaixo, havendo mesmo um grupo extremista que defende que “são sempre escritores por aí acima…”
Um argentino garantiu-me que tinha visto Cortázar e Borges, sentados a uma mesa no Piano Bar do hotel, tentando cada um deles escrever uma história mais fantástica que a do outro enquanto alguém, no piano de cauda, martelava um tango...
E entretanto, no último piso do hotel, lá onde as trepadeiras abandonam os seus ramos à gravidade, Calvino, os cotovelos apoiados sobre o balcão, elabora cuidadosamente uma nova teoria sobre escritores que escrevem sobre escritores em hotéis das Caraíbas…

Fragmento final

de uma obra de fantasia épica, escrito numa folha de um bloco de apontamentos, encontrada pelo pessoal de limpeza após a Convenção Fantástica realizada no Ghost Theater, em NoWhere.
Será entregue a quem provar pertencer-lhe.

Viram aparecer o próprio Sham-El disfarçado de esteticista, que convenceu as forças do mal – todos feios de morrer – que um banho de lama lhes tiraria a feiura e faria da sua pele coriácea uma cútis translucente. Não resistindo à lábia de Sham-El – melhor que um canal de tele-vendas – todos os feiosos mergulharam na lama. Um súbito clarão fez a lama em pedra e assim terminou outro capítulo da eterna luta do Bem contra o Mal.