quinta-feira, 21 de maio de 2009

R.I.P. (mas não completamente...)


Foi O FIM


Os meus agradecimentos aos editores que transportaram esta Minguante ao longo de 15 números. E se ressuscitar, avisem!

sexta-feira, 8 de maio de 2009

Amores trágicos (2)

O Arquitecto amava a cidade. Ela tinha nascido na sua cabeça; os primeiros esboços tinham surgido no monitor do seu computador; os planos de pormenor foram produzidos no seu atelier, e quando os primeiros edifícios começaram a romper dos alicerces entretanto abertos, o Arquitecto era visita frequente do gigantesco estaleiro onde milhares de operários trabalhavam 24 horas por dia, fazendo nascer a cidade que ele tinha imaginado.
Nos primeiros anos tinha sido um amor correspondido. Quando percorria as longas avenidas arborizadas, quando deambulava pelas praças cheias de sol, quando as pessoas se cruzavam com ele e o cumprimentavam afavelmente, ele sentia-se amado pela cidade.
Mas com o passar dos anos, começou a sentir que esse amor estava a deixar de ser correspondido. A profunda alteração de uma praça para alojar um descomunal hipermercado, o abate das árvores para instalar faixas de rodagem numa avenida outrora pedonal, algumas propostas suas sobre a gestão do espaço urbano rejeitadas no Conselho Municipal, críticas cada vez menos veladas nos meios de informação às suas concepções arquitectónicas e urbanistas...
Até que surgiu a gota que fez transbordar a taça: contra o seu parecer fundamentado, o Conselho Municipal tinha aprovado uma proposta de construção de uma nova urbanização periférica. O autor da proposta era desde há muito seu feroz opositor na Guilda dos Arquitectos, e a urbanização projectada em estilo neo-moderno iria ser esteticamente revoltante ao lado de uma cidade concebida e construída segundo os cânones do estilo medievo renovado.
O Arquitecto soube que tinha atingido o ponto de não retorno. A cidade, que tinha sido o amor da sua vida, tinha-o traído. Mas ele iria castigar essa traição.
Conhecia de cor as galerias técnicas que, como um sistema vascular, percorriam o subsolo da cidade, abaixo dos túneis de transporte rápido. Como chefe dos serviços de urbanismo, que ainda era, tinha também acesso ao paiol onde estavam guardados os explosivos de alta potência utilizados nas grandes obras de construção. Enquanto a nova urbanização ia sendo construída, ele foi pacientemente minando as fundações de todos os edifícios da sua cidade, começando pelos mais importantes, a sede do município, o grande salão de reuniões, a universidade, as escolas, o hospital...
E a meio da inauguração da nova urbanização, uma série de fortes explosões sacudiu a cidade. O colapso dos edifícios levantou uma enorme nuvem de poeira; e quando o pó assentou, sobre os escombros do que antes tinha sido a cidade ouviam-se as gargalhadas do Arquitecto, enlouquecido após assassinar a sua amada...

quinta-feira, 7 de maio de 2009

Amores trágicos (1)

Aquele biólogo amava as bactérias. Sentia uma atracção irresistível por aqueles pequeninos seres e pelo seu incessante movimento, que observava com prazer horas e horas ao microscópio, bem como a taxa exponencial com que se reproduziam.
Mesmo o facto de algumas delas serem letais para organismos mais complexos não atenuava o amor intenso que sentia por elas. Pelo contrário. Principalmente aquelas que se encontravam na solução cujo período de maturação tinha terminado havia pouco.
Despejou o conteúdo do reactor para um tubo de ensaio. Tinham sido meses de trabalho, partindo de bactérias de agressividade moderada, manipulando cuidadosamente os DNAs, eliminando sem remorsos todas as variantes inúteis para o fim em vista, até chegar àquela estirpe, a arma bacteriológica mais eficiente até então desenvolvida.
Amava-as profundamente, e só tinha pena que elas não pudessem corresponder a esse amor.
Olhou o tubo à transparência. Quem diria que naqueles poucos centímetros cúbicos de líquido residia a capacidade de aniquilar um exército. E eram suas filhas, tinham sido produzidas pelo seu trabalho, não iria deixar que lhas tirassem! Levou o tubo à boca e engoliu o líquido que continha até à última gota.

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Ficou 3 dias em isolamento total nos Cuidados Intensivos, e durante esse tempo as bactérias destruíram meticulosamente toda a sua rede nervosa, até atingirem o cérebro.
“O grau mais elevado do amor não correspondido é o sacrifício supremo”, foi o seu último pensamento, no momento em que a linha verde pulsatória no monitor à cabeceira passou subitamente a horizontal, e o alarme começou a tocar no gabinete do enfermeiro de serviço.

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“Entendamo-nos, doutor, é preciso ser um bocado anormal para trabalhar no desenvolvimento de armas bacteriológicas”, dizia o general director do laboratório ao chefe do Serviço de Patologia do hospital. “Mas o nosso biólogo passou-se das marcas... Calcule que se apaixonou pelas bactérias! Felizmente foi fácil recuperar todo o trabalho do computador dele. Nem sequer tinha password, calcule! Bem dizem que o amor é cego...”
E o general riu-se, um riso militar e satisfeito.


Este texto e o que se segue foram escritos para uma antologia de nome "Amores diferentes", a ser editada na Argentina pelo Sergio Vel Hartman, projecto que parece estar adormecido...