quarta-feira, 6 de junho de 2007

O Zen e a Literatura Fantástica

Em 1974, Robert M. Pirsig publicou “Zen and the Art of Motorcycle Maintenance”, a descrição de uma viagem de mota pelo interior norte-americano, feita por um pai e um filho, que funciona em relação ao primeiro como uma espécie de peregrinação interior. Comprei o livro em 1981, atraído, devo confessar, pela estranheza do título. Li-o nesse ano, gostei, e devo ter-lhe pegado duas ou três vezes nestes últimos 25 anos, mas quando tive que arranjar um título para esta conversa, pensei que se aquele título tinha suscitado a minha curiosidade naquele longínquo 1981, talvez o pudesse adaptar para atrair a atenção de mais alguém neste ano de 2006. E assim nasceu o título “O Zen e a Literatura Fantástica”.

O que vai seguir-se é apenas um conjunto de notas de leitura de um leitor compulsivo, ligadas pelos fios de memória através dos quais as estórias se falam umas às outras. Além de alguns contos Zen, serão referidos três autores que poderiam ser designados como A Fantástica Trindade: Jorge Luis Borges, Julio Cortázar e Italo Calvino. Dadas as limitações de tempo, os exemplos escolhidos terão que ser de ficção curta, ou fragmentos de ficção mais longa.

E em primeiro lugar, por quê a associação do Zen com literatura fantástica?

O Zen procura atingir a iluminação. Esta iluminação está em geral relacionada com o transcender a situação vivida, passar acima dela, vê-la de um plano superior onde o problema, conflito, dilema deixa de fazer sentido, ou passa a ser trivial. Como método de ensino, utiliza frequentemente problemas que o mestre coloca ao discípulo, problemas aparentemente sem solução, que só podem ser resolvidos quando o discípulo atinge a iluminação.

Existem diversas colecções de contos Zen, e uma das melhores compilações é “Zen Flesh, Zen Bones”, feita por Paul Reps e Nyogen Senzaki.

Foi daí que tirei este clássico:

Uma Parábola

Um homem que viajava através de um campo encontrou um tigre. Fugiu, perseguido pela fera. Chegando à beira de um precipício, agarrou-se a uma raiz e ficou suspenso sobre o vazio. Por cima, o tigre farejava-o. Tremendo, o homem olhou para baixo, onde viu outro tigre à espera para o devorar. Só a raiz o sustinha.

Dois ratos apareceram e começaram a roer a raiz. Muito próximo, o homem viu um morango apetitoso. Segurando a raiz só com uma das mãos, o homem colheu o morango e meteu-o à boca. Como era doce!

A literatura fantástica de qualidade é a que surpreende, desafiando a capacidade de percepção do leitor. A leitura de uma boa história fantástica é como o rasgar de um cenário, e a surpresa resultante assume a forma de um sentimento próximo da iluminação do Zen. Ainda que (ou sobretudo quando) por detrás possa existir outro cenário...

Julio Cortázar foi o meu primeiro contacto com o que depois vim a saber chamar-se “realismo mágico”. E disse, muito melhor do que eu poderia dizer, numa conferência proferida na Universidade Católica Andrés Bello, em Caracas, intitulada “El sentimiento de lo Fantástico”:

Esse sentimento do fantástico como gosto de chamar-lhe, porque creio que é sobretudo um sentimento e mesmo um pouco visceral, esse sentimento acompanha-me desde o princípio da minha vida, desde muito pequeno, antes, muito antes de começar a escrever, neguei-me a aceitar a realidade tal como os meus pais e professores me pretendiam impô-la e explicá-la. Eu vi sempre o mundo de uma forma diferente, senti sempre que entre duas coisas que parecem perfeitamente delimitadas e separadas, há interstícios através dos quais, para mim pelo menos, passava, se infiltrava um elemento que não podia explicar-se com leis, que não podia explicar-se com lógica, que não podia explicar-se com a inteligência racional.

Esse sentimento, que penso ser reflectido na maioria dos meus contos, poderíamos qualificá-lo de “estranhamento”; em qualquer momento pode acontecer-vos, poderá ter-vos acontecido, a mim acontece-me a toda a hora, em qualquer momento que podemos qualificar como prosaico, na cama, no autocarro, no duche, falando, caminhando ou lendo, surgem como pequenos parênteses nessa realidade e é aí que uma sensibilidade preparada para esse tipo de experiências sente a presença de algo diferente, sente, por outras palavras, o que podemos chamar o fantástico.

É de Cortázar a seguinte

Maneira facílima de destruir uma cidade

Espera-se, escondido entre a erva, que uma grande nuvem do tipo cumulus se localize sobre a cidade que nos incomoda. Dispara-se então a flecha petrificadora, a nuvem converte-se em mármore, e o resto dispensa comentário.

No seu livro “Historias de cronopios y de famas”, publicado em 1962, existe um utilíssimo Manual de Instrucciones, donde seleccionei umas apropriadamente tristes

Instruções para chorar

Instruções para chorar. Pondo de lado os motivos, debrucemo-nos sobre a maneira correcta de chorar, entendida como um choro que nem assuma um carácter escandaloso, nem insulte o sorriso com uma semelhança paralela e torpe. O choro médio ou ordinário consiste numa contracção geral do rosto e um ruído espasmódico acompanhado de lágrimas e ranhos, estes últimos só no final, porque o choro acaba quando o sujeito se assoa energicamente. Para chorar, dirija a imaginação para si próprio, e se isto for impossivel por ter contraído o hábito de acreditar no mundo exterior, pense num pato coberto de formigas ou nesses golfos do estreito de Magalhães nos quais não entra nada, nunca. Chegado o choro, deve tapar-se o rosto com decoro, usando ambas as mãos com as palmas viradas para dentro. As crianças devem chorar com o braço contra a cara, e de preferência num canto do quarto. Duração média do choro, três minutos.

Ainda hesitei em incluir o texto seguinte, mas depois pensei: que diabo, deve haver algumas pessoas na assistência que ainda se lembrem que há uns anos atrás se dava corda aos relógios.

E assim, do mesmo Manual de Instrucciones, sai o

Preâmbulo às instruções para dar corda ao relógio

Pensa nisto: quando te oferecem um relógio oferecem-te um pequeno inferno florido, uma cadeia de rosas, um calabouço de ar. Não te dão somente o relógio, com muitos parabéns e esperamos que te dure muito tempo porque é de boa marca, suiço e com âncora de rubis; não te oferecem somente esse minúsculo picapau que vais amarrar ao pulso e levarás a passear contigo. Oferecem-te – não o sabem, o que é terrivel é que não o sabem –, oferecem-te um novo pedaço frágil e precário de ti mesmo, algo que é teu mas que não é o teu corpo, que tens que amarrar ao teu corpo com a pulseira como um bracinho desesperado agarrando-se ao teu pulso. Oferecem-te a necessidade de lhe dar corda todos os dias, a obrigação de lhe dar corda para que continue a ser um relógio; oferecem-te a obsessão de procurar a hora exacta nas montras das relojoarias, no sinal horário da rádio, na informação horária da companhia dos telefones. Oferecem-te o medo de o perder, de que to roubem, de que caia ao chão e se parta. Oferecem-te a sua marca, e a segurança de que é uma marca melhor que as outras, oferecem-te a tendência de comparar o teu relógio com os outros relógios. Não te oferecem um relógio, tu é que és o oferecido, oferecem-te a ti para o aniversário do relógio.

De Julio Cortázar não vou ler mais, porque os seus contos são demasiados extensos para o tempo disponível e suportam mal a extracção de fragmentos. Curiosamente (mais uma coincidência em que o fantástico é fértil) Cortázar é publicado pela primeira vez numa revista literária cujo secretário da redacção é Jorge Luis Borges.

Mas antes de passar a Borges, (que em 1977 dá uma conferência sobre Budismo no Coliseu de Buenos Aires) vou ler-vos mais um conto Zen. Gosto em particular deste porque mostra uma religião com sentido de humor, o que não parece ser muito frequente...

A Pedra na Cabeça

Hogen, um mestre Zen chinês, vivia sozinho num pequeno templo no interior do país. Um dia chegaram quatro monges que andavam em viagem e que lhe pediram se podiam fazer uma fogueira no pátio para se aquecerem.

Enquanto acendiam o fogo, Hogen ouviu-os a discutir sobre subjectividade e objectividade. Chegou junto deles e disse: “Está ali aquela pedra grande. Acham que ela está dentro ou fora das vossas mentes?”

Um dos monges respondeu: “Do ponto de vista Budista, tudo é uma objectificação da mente, então eu diria que a pedra está dentro da minha mente.”

“Deves sentir a cabeça muito pesada, a transportar uma pedra destas lá dentro.”

De Borges, creio que o primeiro conto que li foi “As ruínas circulares”, incluido no livro “Ficções”. Nele se fala de um mago que cria um filho sonhando-o. Preocupa-o que o seu filho possa descobrir que não é real, que é apenas um sonho. E o conto termina assim:

(...) Numa madrugada sem pássaros o mago viu abater-se sobre as paredes o incêndio concêntrico. Por um instante, pensou refugiar-se nas águas, mas logo compreendeu que a morte vinha coroar a sua velhice e absolvê-lo dos seus trabalhos. Caminhou ao encontro dos círculos de fogo. Estes não morderam a sua carne, acariciaram-no e inundaram-no sem calor e sem combustão. Com alívio, com humilhação, com terror, compreendeu que ele próprio também era uma aparência, que outro estava a sonhá-lo.

Esta ideia de sequência infinita (neste caso alguém que sonha alguém, que sonha alguém, que sonha alguém) é um tema caro a Borges. Eis aqui outro exemplo:

Um sonho

Num deserto lugar do Irão há uma não muito alta torre de pedra, sem portas nem janelas. No único compartimento (cujo chão é de terra e tem a forma de um círculo) há uma mesa de madeira e um banco. Nessa cela circular, um homem parecido comigo escreve em caracteres que não compreendo um longo poema sobre um homem que noutra cela circular escreve um poema sobre um homem que noutra cela circular... O processo não tem fim e ninguém poderá ler o que os prisioneiros escrevem.

Outra técnica favorita de Borges é a utilização de citações inventadas. O seguinte texto é atribuido a Suaréz Miranda, Viajes de varones prudentes, IV, cap. 45, Lérida, 1658, e intitula-se:

Do rigor em ciência

... Naquele Império, a Arte da Cartografia conseguiu tal perfeição que o mapa de uma só Província ocupava toda uma Cidade e o mapa do Império toda uma Província. Com o tempo, esses Mapas Desmesurados não satisfizeram e os Colégios de Cartógrafos levantaram um Mapa do Império que tinha o tamanho do Império e coincidia pontualmente com ele. Menos Dadas ao Estudo da Cartografia, as Gerações Seguintes consideraram que esse dilatado Mapa era Inútil e não sem Impiedade o entregaram às Inclemências do Sol e dos Invernos. Nos desertos do Oeste perduram despedaçadas Ruínas do Mapa, habitadas por Animais e por Mendigos; não há em todo o País outra relíquia das Disciplinas Geográficas.

Folheando as Obras Completas publicadas há alguns anos, encontro outro tema recorrente: o sentimento de que, no universo, tudo se liga a tudo, embora às vezes não nos apercebamos como. O conto seguinte é um exemplo disso; chama-se

O bastão lacado

María Kodama descobriu-o. Apesar da sua autoridade e da sua firmeza, é curiosamente leve. Quem o vê repara nele; e quem repara fica a lembrar-se.

Observo-o. Sinto que é uma parte daquele império, infinito no tempo, que ergueu a sua muralha para construir um recinto mágico.

Observo-o. Penso naquele Chuang Tzu que sonhou que era uma borboleta e que não sabia, ao acordar, se era um homem que tinha sonhado ser uma borboleta ou uma borboleta que sonhava agora ser um homem.

Observo-o. Penso no artesão que trabalhou o bambu e o dobrou para que a minha mão direita pudesse agarrar bem o punho.

Não sei se ainda está vivo ou se morreu.

Não sei se é tauista ou budista ou se interroga o livro dos sessenta e quatro hexagramas.

Não nos veremos nunca.

Está perdido entre novecentos e trinta milhões.

No entanto, alguma coisa nos liga.

Não é impossível que Alguém tenha premeditado este vínculo.

Não é impossível que o universo necessite deste vínculo.

Por fim, um outro aspecto de Jorge Luis Borges, uma fina ironia sobre si próprio, bem patente no pequeno conto

Borges e eu

Ao outro, a Borges, é que acontecem as coisas. Eu caminho por Buenos Aires e demoro-me, talvez já mecanicamente, na contemplação do arco de um saguão e da cancela; de Borges tenho notícias pelo correio e vejo o seu nome num trio de professores ou num dicionário biográfico. Agradam-me os relógios de areia, os mapas, a tipografia do século XVIII, as etimologias, o sabor do café e a prosa de Stevenson; o outro comunga dessas preferências, mas de um modo vaidoso que as converte em atributos de um actor. Seria exagerado afirmar que a nossa relação é hostil; eu vivo, eu deixo-me viver, para que Borges possa urdir a sua literatura, e essa literatura justifica-me. Não me custa confessar que conseguiu certas páginas válidas, mas essas páginas não me podem salvar, talvez porque o bom já não seja de alguém, nem sequer do outro, mas da linguagem ou da tradição. Quanto ao mais, estou destinado a perder-me definitivamente, e só algum instante de mim poderá sobreviver no outro. Pouco a pouco vou-lhe cedendo tudo, ainda que me conste o seu perverso hábito de falsificar e magnificar. Espinosa entendeu que todas as coisas querem perseverar no seu ser; a pedra eternamente quer ser pedra, e o tigre um tigre. Eu hei-de ficar em Borges, não em mim (se é que sou alguém), mas reconheço-me menos nos seus livros do que em muitos outros ou no laborioso toque de uma viola. Há anos tratei de me livrar dele e passei das mitologias do arrabalde aos jogos com o tempo e com o infinito, mas esses jogos agora são de Borges e terei de imaginar outras coisas. Assim, a minha vida é uma fuga e tudo perco, tudo é do esquecimento ou do outro.
Não sei qual dos dois escreve esta página.

Antes de passar a Italo Calvino, mais um conto Zen. Quando Jean-Paul Sartre disse, numa frase muito citada, “o inferno são os outros”, poderia ter dito “o inferno (e o paraíso) somos nós”:

As Portas do Paraíso

Um soldado de nome Nobushige foi ter com Hakuin e perguntou-lhe: “Existe de facto um paraíso e um inferno?”

“Quem és tu?” perguntou-lhe Hakuin.

“Sou um samurai,” respondeu o guerreiro.

“Tu, um soldado!” exclamou Hakuin. “Que espécie de senhor te quereria na sua guarda? A tua cara parece a de um pedinte.”

Nobushige ficou tão irritado que começou a desembainhar a espada, mas Hakuin continuou: “E tens uma espada! Provavelmente está tão embotada que não serias capaz de me cortar a cabeça.”

Quando Nobushige desembainhou a espada Hakuin comentou: “Abriram-se as portas do inferno!”

Ouvindo estas palavras, o samurai percebeu a disciplina do mestre, embainhou a espada e fez uma vénia.

“Abriram-se as portas do paraíso,” disse Hakuin.

Italo Calvino... porque sim. Uma comunicação académica que se preze deve citar o próprio autor, pelo que a justificação para a minha fascinação por Calvino pode ser encontrada na comunicação que fiz no 1º Encontro Literário de Fantasia e Ficção Científica, intitulada

“Italo Calvino: Fantasia, ficção especulativa, slipstream... ou simplesmente literatura?”, publicada nas Actas do Encontro e posteriormente no fanzine Dragão Quântico.

Os textos que vou ler de Italo Calvino são todos de “As Cidades Invisíveis”, que é um livro onde Marco Polo, ao serviço de Kublai Kan, descreve a este as cidades que visita nas suas viagens. As descrições das cidades são intercaladas com descrições da interacção entre os dois personagens, que constituem um segundo plano de leitura do livro.

Marco entra numa cidade; vê alguém numa praça viver uma vida ou um instante que poderiam ser seus; no lugar daquele homem agora poderia estar ele se tivesse parado no tempo muito tempo antes, ou se muito tempo antes numa encruzilhada em vez de tomar uma estrada tivesse tomado a oposta e ao cabo de uma longa volta viesse encontrar-se no lugar daquele homem naquela praça. Agora, daquele seu passado verdadeiro ou hipotético ele está excluído; não pode parar; tem de prosseguir até outra cidade onde o espera outro seu passado, ou algo que talvez tivesse sido um seu possível futuro e agora é o presente de outro qualquer. Os futuros não realizados são apenas ramos do passado: ramos secos.

- Viajas para reviver o teu passado? - era agora a pergunta do Kan, que também podia ser formulada assim: - Viajas para achar o teu futuro?

E a resposta de Marco: - O algures é um espelho em negativo. O viajante reconhece o pouco que é seu, descobrindo o muito que não teve nem terá.

Gostava de vos ler agora um texto que é uma verdadeira análise sobre a essência do poder:

Voltando da sua última missão Marco Polo foi dar com o Kan à sua espera sentado diante de um tabuleiro de xadrez. Com um gesto convidou-o a sentar-se à sua frente e a descrever-lhe só com o auxílio das peças de xadrez as cidades que tinha visitado. O veneziano não desanimou. As peças do xadrez do Grão Kan eram de marfim polido: dispondo no tabuleiro torres dominantes e cavalos desconfiados, adensando enxames de peões, traçando alamedas direitas ou oblíquas como o andar majestoso da rainha, Marco recriava as perspectivas e os espaços de cidades brancas e negras nas noites de luar.

Ao contemplar estas paisagens essenciais, Kublai reflectia sobre a ordem invisível que governa as cidades, sobre as regras a que corresponde o seu surgir e tomar forma e prosperar e adaptar-se às estações e murchar e arruinar-se. Por vezes parecia-lhe que estava prestes a descobrir um sistema coerente e harmonioso que estava submetido às infinitas deformidades e desarmonias, mas nenhum modelo aguentava a comparação com o do jogo de xadrez. Talvez, em vez de matar a cabeça a evocar com o magro auxílio das peças de marfim visões apesar de tudo destinadas ao esquecimento, bastava jogar uma partida de acordo com as regras, e contemplar cada um dos sucessivos estados do tabuleiro como uma das inúmeras formas que o sistema das formas reúne e destrói.

Agora Kublai Kan já não precisava de mandar Marco Polo em longínquas expedições: retinha-o a jogar intermináveis partidas de xadrez. O conhecimento do império estava escondido no desenho traçado pelos saltos angulosos do cavalo, pelas travessias diagonais que se abrem às incursões do bispo, pelo passo arrastado e circunspecto do rei e do humilde peão, pelas alternativas inexoráveis de cada partida.

O Grão Kan tentava concentrar-se no jogo: mas agora era o porquê do jogo que lhe escapava. O fim de todas as partidas é um perder ou ganhar: mas o quê? Qual era a verdadeira aposta? Ao xeque-mate, sob os pés do rei derrubado pela mão do vencedor, fica um quadrado preto ou branco. À força de desmaterializar as suas conquistas para as reduzir à essência, Kublai chegara à operação extrema: a conquista definitiva, de que os multiformes tesouros do império não passavam de invólucros ilusórios, reduzia-se a um pedaço de madeira aplainada: o nada ...

E para terminar, um dos textos mais curtos do livro. É necessário um génio para transformar o lugar comum “O todo é maior do que a soma das partes” nisto que se segue:

Marco Polo descreve uma ponte, pedra a pedra.

- Mas qual é a pedra que sustém a ponte? – pergunta Kublai Kan.

- A ponte não é sustida por esta ou por aquela pedra - responde Marco, - mas sim pela linha do arco que elas formam.

Kublai Kan permanece silencioso, reflectindo. Depois acrescenta: - Porque me falas das pedras? É só o arco que me importa.

Polo responde: - Sem pedras não há arco.

E pronto. Esta Fantástica Trindade produziu material suficiente para anos de exploração. Boas leituras... e misturem uns contos Zen para temperar.

Nota final: Para ler mais

Zen

http://www.101zenstories.com/

http://www.amazon.com/gp/product/1570620636/104-8852481-8623107?v=glance&n=283155

Julio Cortázar

http://www.juliocortazar.com.ar/obras.htm

La vuelta al dia en ochenta mundos (2 volumes)

Siglo XXI de España Editores, S. A.

Jorge Luis Borges

Obras Completas (4 volumes) Ed. Círculo de Leitores

Italo Calvino

As cidades invisíveis

Editorial Teorema - Colecção Estórias, nº 53


Este texto foi lido numa sessão do Fórum Fantástico, em Novembro de 2005

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