segunda-feira, 22 de janeiro de 2007

Marketing...

- Alberto, preciso de uma anedota com o Durão Barroso. Leve, de salão, nada de ordinário. Resposta tipo sorriso, mais do que gargalhada. Corrosiva q.b. Tem aqui o dossier com o público-alvo.
- Mas, Dr. Sequeira, tenho entre mãos a análise da reacção à que lançámos há 10 dias com o Fernando Gomes. E estou a acabar o relatório da do Jorge Coelho.
- Arquive a do Gomes. O cliente mandou parar o trabalho, parece que já não precisa. Ponha o Francisco a acabar o relatório. Este trabalho é mais urgente e mais importante.
E em voz mais baixa, acrescentou:
- O cliente é um dos candidatos à liderança.
Alberto sabia que o que o Dr. Sequeira considerava urgente e importante era para ser feito ontem. Atirou-se ao trabalho. Uma hora depois, já tinha quatro ideias para seleccionar a que seria desenvolvida e apresentada ao cliente. Depois, uma vez aprovada, seguiria o trajecto normal pela rede de distribuição considerada a mais apropriada, que poderia incluir mailing lists na Net, grupos de IRC, apresentadores de televisão, alguns jornalistas… Alberto conhecia bem esta parte do negócio porque tinha começado por lá, antes de chegar a criativo. E sempre tinha achado curioso como ninguém se interrogava nunca sobre como nascia (e porque nascia…) uma anedota sobre uma figura pública…
O plim do seu computador interrompeu-lhe o devaneio, chamando-lhe a atenção para o monitor onde começou a deslizar um mail do Dr. Sequeira:
To: Criativos
Subject: Sessão de brain-storming às 14:00
Message: É necessário ter ideias sobre dirigentes desportivos para lançar logo que o “consenso nacional” for às malvas e começar a sério a guerra do Euro 2004.
Mais uma sessão de frita-miolos, pensou Alberto. Detestava essas reuniões, sobretudo quando lhe estragavam os planos. Pegou no telefone, desmarcou o almoço que tinha combinado e ligou em seguida para o restaurante a cancelar a reserva.
Bloqueou o computador e saiu do cubículo. No átrio da entrada, a recepcionista atendia um telefonema enquanto olhava atentamente as unhas da mão direita. Levantou os olhos e sorriu-lhe; ele retribuiu o sorriso com uma piscadela de olho e saiu da Sequeira & Freitas – Estudos de Opinião e Marketing, Lda.
Resolveu descer do 8º andar pelas escadas. A descida monótona dos degraus às vezes trazia-lhe ideias.
Antes de entrar na cafetaria, parou no quiosque dos jornais e comprou “A Bola”. A mesa do canto, com vista para a porta, estava livre. Sentou-se, pediu uma cerveja sem álcool e um cachorro e enquanto comia ia lendo o jornal, tentando apanhar as entrelinhas de algumas notícias para a sessão das duas: boatos malévolos, insinuações de corrupção, o material tinha que ser menos “punhos de renda” e mais estilo “guerra suja”. A terminar, bebeu um café duplo, pagou e saiu.
Quando regressou ao cubículo viu as horas. Faltavam 25 minutos para as duas, o que ainda lhe dava tempo para fazer um telefonema. O Paulo era engenheiro, trabalhava na construção civil e estava muito por dentro do que se passava com as obras nos estádios. Conseguiu apanhá-lo no telemóvel e teve uma proveitosa conversa durante cerca de 15 minutos, ao longo da qual foi tirando notas.
Quando terminou essa chamada, marcou o número da Susana, amiga do tempo da faculdade e jornalista numa das revistas “sociais”, que costumava estar sempre a par das últimas fofocas sobre os chamados colunáveis. Uma dica sobre um cantor cujo CD estava nos tops, uma informação super confidencial a respeito de uma actriz de teatro, outra sobre um manequim muito conhecido... Tudo material que, convenientemente trabalhado, transformado em piada ou anedota, poderia ser proposto para venda à concorrência das referidas personalidades. Alberto gostava de ter sempre qualquer coisa na manga, para o caso de o Dr. Sequeira se lembrar de pedir outras ideias no fim da reunião. E o lugar de director criativo só estava um degrau acima do seu nível actual...
Às 13 e 59, Alberto levantou-se e dirigiu-se para a sala de reuniões. O Dr. Sequeira detestava que se chegasse atrasado...

Escrito em Março de 2001, este texto nunca tinha visto a luz do dia. Tive preguiça de mudar os nomes, e decidi afixá-lo tal qual estava no disco. Espero que se mantenha "legível"...

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