sexta-feira, 17 de fevereiro de 2006

Sobre Italo Calvino (fragmento)

O cartógrafo que desenha mapas do mundo real usa como ferramenta principal uma caneta de ponta fina, porque as fronteiras entre os países, contestadas ou não, são linhas, que estabelecem um corte territorial, uma descontinuidade administrativa, política, por vezes cultural, mas (quase) sempre autoritária.
Quem pretendesse mapear o território literário, teria que usar um pincel e trabalhar sobre papel poroso, mais uma aguarela do que um desenho à pena, porque as fronteiras entre géneros são frequentemente mal definidas, difusas, por vezes reivindicadas por partidários dos dois (ou mais) géneros limítrofes, mas suficientemente amplas para que alguns autores consigam viver dentro delas.
E se numa noite de inverno um viajante iniciasse a travessia de uma dessas fronteiras, na sua caminhada entre duas cidades invisíveis, poderia seguir o atalho dos ninhos de aranha e entrando no bosque, olhando para cima, ter a sorte de avistar o barão trepador, ou mais adiante encontrar uma das metades do visconde cortado ao meio. Neste caso, deverá certificar-se de qual das metades se trata, pois isso poderá ter consequências no desenrolar da sua história pessoal.
Se pelo contrário o destino o fizer encontrar o cavaleiro inexistente – façanha desde logo notável – este poderá conduzi-lo ao castelo dos destinos cruzados, e talvez à porta esteja Italo Calvino que, sorrindo, lhe pegará no braço e o conduzirá numa visita guiada enquanto lhe conta como Palomar se perdeu em devaneios numa loja de queijos, o que poderá querer significar – mas isto está aberto à discussão – que a literatura (também) é para comer.

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